domingo, 29 de março de 2009

João Gilberto - Pra que discutir com madame?

Bossa nova é isso. Digamos que uma canção pode ser destrinchada nos seguintes elementos: melodia, harmonia, ritmo e letra. 

Na bossa nova eles são trabalhados de um modo muito específico. A letra é sempre simples, leve, quase infantil. A melodia segue a mesma idéia, com a diferênça de que a simplicidade aqui é apenas aparente, especialmente naquelas canções compostas com o propósito de ser bossa nova (outras canções, como a do vídeo acima, são sambas mais antigos, transformados em bossa pelo João Gilberto). Sim, porque compositores como Roberto Menescal, Carlos Lyra e especialmente Tom Jobim eram capazes de escrever melodias altamente elaboradas e sofisticadas mas que se disfarçavam de simples. 

É no ritmo que começam as mudanças: a batida do violão sintetiza, no polegar, o surdo do samba, com uma marcação constante nos tempos fortes; e os outros dedos (João às vezes usa o dedo mínimo) simulam o tamborim, com uma marcação muito rica, geralmente ressaltando os contratempos. Além disso, o ritmo do canto também é trabalhado. Algumas frases começam antes do previsto, outras depois. Algumas palavras são esticadas, outras suprimidas. No caso do João, reparem que até mesmo a respiração é usada com efeito rítmico.

Na harmonia, por fim, a bossa nova abre mais espaço para a criatividade do compositor ou do intérprete. O que antes era um acorde, se desmembra em dois ou quatro. As dissonâncias são exploradas matematicamente, favorecidas pela clareza da batida.

Dizer que bossa nova é "elitista" é uma das maiores idiotices que se pode cometer. É uma inversão de valores impressionante. Para uma música ser válida ela tem que nascer na poberza? E o mais importante: tem que ser ruim?

Há alguns anos ouvi o Caetano Veloso criticanto quem não gostava de funk. Disse que era preconceito. Quer dizer que agora eu tenho que gostar de qualquer coisa que venha da favela? E se eu não gostar é preconceito? Eu não gosto de funk por uma série de razões e nenhuma delas tem a ver com a classe social onde ele surgiu. A pobreza que me incomoda no funk é a musical e a poética. 

Da mesma forma o fato da bossa nova ter germinado na classe média não pode me fazer associar a música a essa classe. A bossa nova não tem culpa de ter sido apreciada nos Estados Unidos. Se fosse assim os méritos de um determinado estilo musical não seriam mais musicais. Bastaria a gente saber de onde ela veio, aonde ela foi e a quem ela agrada. Os americanos gostam? O compositor é rico? A música toca em bistrôs? É "elitista" e pronto! 

Eu lembro que, no colégio, quando me perguntavam qual meu estilo musical favorito e eu dizia que era música erudita, eu quase tinha que pedir desculpa! Meus caros, enquanto existir gente pensando assim, a gente vai ter que gostar de funk sob pena de ser taxado de preconceituoso. E quem gosta de música clássica, de jazz ou de bossa nova vai ter que ter vergonha disso.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Novamente Nelson Freire

É o maior pianista brasileiro. No vídeo acima ele tinha 21 anos e estava começando sua carreira internacional. Tocar essa peça deve ser um inferno, mas ele parece não saber disso.
Os grandes pianistas do mundo o admiram, Martha Argerich disse que o primeiro grande susto que tomou foi quando viu ele tocar. Tomem um susto com esse singelo estudo de Mozkowski.
Cliquem no vídeo duas vezes para entrar diretamente no YouTube e ler os comentários babantes.

Valentina Lisitsa toca Rachmaninoff

Uma das críticas mais comuns que se fazem a pianistas da nova geração é: "Fulano é técnico demais, toca tudo muito rápido e sem sentimento". Às vezes isso é verdade, mas é meio ridículo falar um negócio desses. Esse estudo de Rachmaninoff é perfeito para um pianista exibir técnica sem se preocupar em fingir que possui um dom maravilhoso de fazer as pessoas chorarem.
A música para piano de Rachmaninoff é de lascar. Tocar esse estudo é definitivamente um ato de suicídio. E dos mais violentos.
Reparem nessa bruxa loura tocando. Bruxa no bom sentido. Loura também. Dá vontade de dizer "arre égua".

Clair De Lune

Vejam que beleza. Uma cena excluída do filme Fantasia, da Disney. Falem o que quiserem da Disney e do capitalismo americano, mas esse vídeo é o cúmulo da delicadeza. A música é Clair de Lune, da Suite Bergamasque de Debussy, orquestrada pelo maestro Leopold Stokowski.

O que não é arte

Cena 1:


Sarah está caída e indefesa. O vilão aponta uma arma, faz uma piadinha final e dá uma risada macabra. A câmera dá um close nos olhos dele, outro nos olhos dela. A música cresce, a tensão aumenta até que se ouve um estampido – PEI... E o vilão cai morto. É quando descobrimos que o tiro veio de Jack, o mocinho, que até então todos acreditavam estar morto.


Cena 2:


Você está num teatro. O ator está num monólogo desenfreado, a cada P e B ele cospe um litro de saliva. Sua voz vai aumentando, seu rosto ficando vermelho, a veia no seu pescoço parece que vai saltar... Então ele pára. Estende a mão para a frente, como se quisesse alcançar uma coisa imaginária e continua a falar, mas agora sussurrando, como se toda a sua raiva tivesse se dissipado.


Cena 3:


Você está num show. Chega o momento do solo de guitarra do famoso fulano de tal. Ele desfila suas notinhas com uma destreza invejável, sua mão passeia como um camundongo pelas cordas. Num dado momento ele começa a repetir uma seqüência de notas enlouquecidamente. Repete aquela frasezinha uma, duas, três, dez vezes. E o público começa a aplaudir, só parando quando ele segue em frente.


Se você, meu caro amigo, nunca viu pelo menos uma dessas cenas, você deve ser de outro planeta. As três cenas contêm o grande pilar da indústria da arte e do entretenimento: bem vindos ao maravilhoso mundo da previsibilidade.


A grande sacada de quem tem uma carreira comercialmente bem sucedida é essa. Eles entenderam que o público precisa ter a sensação de que conseguiu prever o desfecho daquela cena, a próxima nota daquela música etc.


O prazer em escutar música está diretamente ligado à capacidade que um cidadão tem de antever os próximos compassos. Funciona assim: todos nós, mesmo os que não são músicos, temos um vocabulário musical interno. Mesmo que não saibamos o nome da próxima nota, sabemos qual ela deve ser. Isso porque desde crianças nós fomos interiorizando a linguagem musical. Quando a música foge dessa zona de conforto, sentenciamos logo: é feia. É por isso que a maioria das pessoas gosta de músicas “grudentas”, com um refrão fácil. Essas músicas são mais previsíveis. Ou será que quando você ouve uma canção sertaneja-romântica ou uma balada pop você não se pergunta: eu já ouvi isso antes? Ouviu. Com outra letra, em outro ritmo, com outros instrumentos, mas as idéias musicais utilizadas são sempre as mesmas.


Agora entra uma questão delicada, e eu lhes peço que não interpretem mal. É que quem gosta de música erudita, geralmente adquire um ouvido mais apurado. Não estou falando do ouvinte ocasional, aquele que acha linda a “musiquinha do gás”, mas aquele que escuta com curiosidade e que se propõe a se concentrar naquilo. Cientificamente falando, eles desenvolvem um tipo de memória de curto prazo que lhes permite identificar padrões menos óbvios. O prazer advém da mesma coisa, identificar padrões, mas a música clássica exige mais do ouvinte.


O mesmo se pode dizer de quem lê muito ou de quem admira o cinema não comercial. Estas pessoas tentam escapar do previsível e acabam tendo uma atividade cerebral mais saudável naquele momento. Isso não quer dizer que sejam mais inteligentes do que outras. Eu mesmo conheço muito imbecil que gosta de música clássica e muita gente boa que se satisfaz em assistir “Transformers”. Mas é bom que nós saibamos a diferença entre arte criativa e arte comercial. Se permitirmos que a arte comercial se sobreponha, vamos acabar minando nosso senso crítico, e vamos acabar eliminando os artistas que tentam produzir um conteúdo mais complexo.


Se quiser saber mais sobre o assunto leia o livro Música, Cérebro e Êxtase (Como a música captura nossa imaginação), de Robert Jourdain.

sexta-feira, 13 de março de 2009

A música mansa e artesanal dos Argonautas

A música popular brasileira sempre foi uma das mais interessantes do mundo. Criativa, variada, sofisticada, muitas vezes genial. Meu grupo, Argonautas, estudou e reverenciou isso. Nossa música tenta ter o máximo de honestidade que se pode ter. É música mansa e artesanal. Não é pretensiosa, não usamos a sofisticação e a técnica para transformar canções em manifestos ou em objetos de exposição em salões. Usamos a sofisticação e a técnica quando a música precisa. Se um determinado acorde precisar ter quinze notas, ele terá. Se bastarem três, ficam as três. É isso que eu quero dizer com honestidade.
Somos essencialmente compositores, mais do que instrumentistas e cantores. Ouça, amigo leitor, algumas dessas músicas e me diga se não são honestas. Mesmo que você não goste do estilo, diga que entendeu por que ela é mansa, e qual é o trabalho artesanal nela contido. Ouça o maracatu Cataventos, a marchinha Carolina, a canção Lembranças... Se gostar, conte para todos. Algumas portas se fecham para nós, então a internet ainda é o meio que nós temos de fazer as pessoas saberem de nossa existência.
É um post propaganda de mim mesmo, mas só porque eu acho que o que nós temos a mostrar não é um vídeo engraçado, uma celebridade sem calcinha ou uma lista qualquer. O que nós temos a mostrar é nossa música, e esperamos que vocês gostem.

O recomeço

Em 2007 iniciei a primeira fase deste blog. Esperimentei falar sobre algumas coisas, compartilhar arte e vida com os leitores. Só não tinha leitores. Por culpa exclusivamente minha. Não me esforcei em criar links com outros blogs, em divulgar. Mas agora entra em operação a fase 2. A Revista Til vai dominar o mundo. Vou dar continuidade aos textos e iniciar um plano de divulgação sutil mas constante. Aguardem, senhoras e senhores. Vocês ainda ouvirão falar na Revista Til e nos Argonautas.